domingo, outubro 12, 2008

100 anos de "A UNIÃO de Aldeia de João Pires"



3.Folgazão
Só se fazem 100 anos, uma vez. E tão provecta idade, numa Associação de uma pequena Aldeia, é obra! Lembro-me muito bem! Ainda a guerra devastava a Europa e o Mundo e, desde muito pequenino, me habituei a adormecer ao som do tchim… popó…tatá…bum…bum…bum… como todo um Povo, afinando o ouvido e a garganta. Nasci com a Banda – a “Música”, como nós dizíamos! – cresci com a Banda. Quis estar com a Banda, neste seu primeiro centenário, como ali vivi os já distantes 50 anos. Pois lá estive. Lembrei as muitas festas em que era apresentado o resultado de muitas e muitas noites de ensaios. Tudo pelo querer de um jovem sacerdote, aqui colocado ainda no tempo da monarquia – ah! a implantação da república levou a que o nosso querido Padre José Maria tivesse que andar escondido lá no meio de valados e silvas… - por aqui se manteve, até ao último suspiro, e a sua memória é venerada no cemitério desta localidade, onde repousa para sempre. Recordei gerações de homens analfabetos – ou o analfabeto era eu? – que, depois de um dia de trabalho sofrido, de sol a sol, mal pago e mal comido, ainda arranjavam forças para aprenderem a ler uma pauta musical e a tirar de cada um daqueles instrumentos, que duravam…. duravam… duravam …. os sons que eram conhecidos no concelho e arredores. A paciência do “mestre”, dos “mestres”, pois conheci vários – o Ti Matos, o sr. Carlos, o sr. Jaime ou “Jaimeca”, como era conhecido entre nós, cuja avó foi a heroína de uma “promessa” à Senhora da Póvoa, membro de uma grande família de executantes, o pai, sócio-fundador, os irmãos, os sobrinhos, os netos... Recordei, aliás, o “chocante” que foi, naquela época, era eu um garoto, os filhos tocarem música no velório do Ti Ricardo. Apaixonados mesmo!!! De todos os “mestres” gostei mais do Ti Matos. Morávamos na mesma rua, mas não era isso o mais importante. Aquela mão, acima abaixo, abaixo, acima. “Dó, ré, ré ,sol, fá sustenido, meu burro… sol, sol, fá…. Pronto, esqueceste … fá bemol… outra vez ao princípio…deixa!!! Burro…burro…burro!!!” E outro aprendiz... E outro. E recomeçar. E todos juntos. “Estás a dormir?!” Horas disso já eram. E aqueles corpos tão fatigados! O Ti Matos era quase o meu herói. Sobrancelhas hirsutas, quase selvagens, banda pronta para a festa, a primeira “arruada” e ele, clarim na mão – nesse tempo o “mestre” também tocava – “Tudo pronto??? Ordinário, marche…” E não é que saía um som que envolvia toda a Aldeia, trazia gente às portas e janelas e a garotada atrás e à frente, os foguetes F…f…f…f…f…f……. Pum! Pum! Trau, trau… pum. Ah! O “ordinário” era uma coisa que me enchia a alma, que nos enchia a alma. Que nos unia e alegrava. O “ordinário” era a marcha que quase dava início à festa. Quase???!!! Ainda o sol não despontara atrás da serra das “Pedriças”, praticamente toda a Aldeia dormia e, de repente, PUUMM!!! O “morteiro” e … a festa vai começar. Com a “alvorada”, um momento alto do dia. A “alvorada”!!! Depois, o Sol ia despontando, os aldeões acercavam-se, iam chegando os músicos carregando o seu instrumento, o “fogo" ali pronto para a primeira descarga do dia, dando sinal à vizinhança de que ia ser (ou não…) um “uma festa de arromba”. Os garotos estremunhados, cara por lavar, roupa vestida à pressa, não queriam perder este momento. Aí começaria a disputa pela apanha das canas dos foguetes. E nenhum quereria deixar os seus créditos por mãos alheias. Também a canzoada se acercava, ainda que a medo, pois o estrondo que os despertara não prenunciava nada de bom. Os cães gostam de música. Repetidamente os ouvi a “acompanhar” os ensaios, para desespero dos vizinhos. Mas detestam foguetes. O resultado é “explosivo”. Voltemos à alvorada. Tocada de pé, em círculo. Fascinante naqueles meus anos de menino de aldeia. A melodia, a harmonia “dizem bem” com o despertar para a festa. Nome e efeito encaixam. Ninguém dava pelos desafinados, isso era só mais lá para o pôr-do-sol, já uns bons copos “entornados”. Escutados os últimos acordes, o fogueteiro não espera: ffffffff…..pum… pum…pum. Os adultos apreciam, os garotos correm atrás das canas, os cães… ah! os cães… “Quem é que me convidou?” Caim…Caim… ãoãobéubéu, numa corrida desenfreada, mal encontrando saídas, cada um procurando escapar ao “fim do mundo”. O nosso “Farrusco” fomos encontrá-lo num valado, no meio das silvas, três dias depois da festa, quase morto de fome e de sede, ainda a tremer. Cães e foguetes não dão boa liga, decididamente.
A missa solene, a procissão, o almoço melhorado, o “ramo”, o leilão das ofertas – quanta generosidade e competência na gente pobre!!! – e a Banda tocando, tocando ... dezenas de pares a dançar, no alcatrão da estrada, interrompidos umas poucas vezes com a passagem de algum raro automóvel….O único momento triste era o do pôr-do-sol e ... o fim da festa. Não, ainda não havia luz eléctrica. Acabava mesmo com o anoitecer.
Foram todas estas imagens que desfilaram, na minha mente, durante mais de duas horas, na tarde do dia 7 de Setembro, naquele mesmo largo, o das “alvoradas”, enquanto esperava o momento alto do programa estabelecido para estas comemorações, o desfile de cinco bandas convidadas e que quiseram associar-se a tão merecida homenagem: a da Idanha, a do Fratel, a do Gavião, a de Alcácer do Sal e … a de Aldeia de João Pires.
Ficara combinado que, a partir dos 5 cantos da Aldeia, cada uma delas viesse actuando para o encontro no Largo Padre José Maria Lopes Nogueira – há-de ser sempre o “Largo do Rato” – donde seguiriam todas tocando, em simultâneo, a “Marcha do Centenário” (uma adaptação, a propósito, do que já fora executado nos 50 e nos 75 anos) em direcção ao campo das festas, anexo à antiga escola primária e em frente à Sede de “A UNIÃO”. Entre as 14 e as 16 horas aquilo ia dando “p´ra morrer”, pois o programa não havia maneira de “arrancar”. Nem tudo foi prejuízo, pois revelou-se tempo insuficiente para pôr as memórias em dia, com acima ficou escrito. Acontecera que a Banda de Alcácer, graças ao “Eu sei o caminho” do motorista do autocarro que a transportava, “acertara em cheio” com a pior opção, seguindo a A23 até ao Fundão e “enfiando-se” pela “estrada” da Fatela. Uma lástima para os convidados, uma lástima para nós! Mas “tudo está bem, quando acaba bem” e, pelas 17 horas foi um momento bem emocionante, dezenas de instrumentos a tocar, centenas de gargantas a cantar “Já se vêem lindas raparigas/saias garridas/blusas de chita/e a banda vai tocando/ e ao ir passando/o Povo grita:/ Aldeia de João Pires,/ por aqui não tens rival/ és a primeira das Beiras/gritam as solteiras/ neste festival…” Depois, os discursos de circunstância, os políticos – por acaso não muito oportunistas, pois nem sequer tiraram “dividendos” da atribuição da “Medalha de Ouro do Concelho" – a presença do Sr. Prof. Dr. Martins da Cruz, grande benemérito de “A União” que, numa idade avançada, quis estar presente. Com amor e sacrifício, era evidente. Finalmente, aquilo de mais gosto: música, música, música até às tantas. Pelas cinco bandas. À vez.
Teve paciência para ler esta "treta"???? Então tem prémio!!!!
Não quer ouvir a Banda da Sociedade Filarmónica Veirense???

1 comentário:

LUNA disse...

Eu li, gostei e não achei treta!!!
Tambem não quero o prémio...ele é para si!!!
Leio embevecida toas as suas histórias ...e não são da treta não senhor....o Tony e o ZézÉ que se cuidem!!!!!