domingo, dezembro 28, 2008

Passagem de ano... em 1961

No primeiro ano lectivo em que exerci, havia ainda muitas Crianças e Jovens nas nossas Aldeias. Eu era um deles, 18 anos cheios de sonhos e muita "insconciência" e quanta inocência. Fora colocado na Escola Masculina - os professores só podiam dar aulas a rapazes! - de Aldeia do Bispo e aproximavam-se as primeiras férias pagas da minha vida . Sendo as nossas Aldeias quase "pegadas" - 1,5 Km separava-as, hoje nem isso!!! - quase todos nos conhecíamos e dávamo-nos, umas vezes bem, outras nem por isso. Mas com o advento da "educação para todos" - os Colégios de Medelim e Penamacor tiveram primordial papel na "democratização do ensino" - as relações entre a malta nova foram amaciando e tornando-se cada vez mais pacíficas. Nesse tempo, a sul de Penamacor, só AB tinha já o "privilégio" da iluminação eléctrica, com uma população razoável, expressa nos cinco lugares docentes ali criados e providos, cada turma com mais de 30 alunos. Dois professores casados, o casal Paula de Campos, e três solteiros, dos quais eu era o "benjamim", um "menino de leite" quase. Depois havia os docentes do Colégio, estudantes alguns mais velhos do que eu e foi assim que se decidiu organizar a passagem do ano para 1962, em AB. Quase 100% dos participantes juventude desta localidade. Alguém emprestou uma casa com uma sala ampla, arranjaram-se "comes e bebes" e um gira-discos, pois que a música seria indispensável. Não recordo os músicos "convidados" em discos de 45 rotações, mas tenho a certeza de que eram os que "estavam na berra". Havia, já naquele tempo, de dinheiro escasso, sempre um ou outro que "estava na crista da onda"...Embora eu tivesse "pé de chumbo", mas porque passava a maior parte do dia e, às vezes, até da noite em Aldeia do Bispo - o "Clube Fernão Lopes", de saudosa memória, teve uma feliz influência na promoção cultural daquela gente - fui um dos participantes e, quando se fez tempo, às escuras e a pé, meti-me a caminho, pelo que, à hora do começo das "hostilidades", me apresentei no local escolhido. Rapazes não faltavam: o QC, o FE, o AP, o ZR, o AP1, o JM, o DV, o TP, o AS, o Eng. R. (a "arrastar a asa", com êxito, à HE, sua aluna, e já ambos "do lado de lá"...), o JI... E as miúdas, todas lindas, também eram suficientes. Mas nunca de mais: a MGC, a MJC, a MRI, a MHE, já referida, a MLE, a MJP e outras que o tempo "apagou" desta cabeça já "tonta"... A noite foi animadíssima. A entrada em 1962 mais que festiva, dança p'ra cá, roda p'ra lá, petisca aqui, bebe dali. resumindo: o tempo passou num instante e mal nos demos conta já passava das duas horas do ano novo. As cachopas tinham hora marcada para regressar ao "ninho", a maior parte dos rapazes também - sim, naquele tempo era como escrevo, incluindo-me no rol, com vaidade, se bem que "pisar o risco", de vez em quando, não fosse grande "crime"!!! - pelo que se pôs a questão do meu regresso, sozinho, a AJP. Começara a cair aquela chuva "molha tolos" que dava para ficar ensopado enquanto subia até ao limite das aldeias e depois o resto era sempre a descer. A escuridão, fora de AB, era de não se ver um palmo à frente do nariz. Na perspectiva do regresso a pé diz-me o "Padre":
- Ó Pá, eu empresto-te a minha bicicleta, mas não tem luzes e só trava com a roda de trás!!!
Nem hesitei em aceitar, pois sempre passaria mais depressa em frente do cemitério, a que guardava "grande respeito". E só uma farra destas me levaria a "afrontá-lo". Pedalar a subida era difícil, mas seguro. Mesmo depois de passadas as últimas luzes de AB, quando entrei na escuridão total. Total mesmo!!! Só pela "adivinhação": realmente era "fácil" pois eu sabia que era "sempre a direito", em velocidade mínima. Chegar ao alto foi canja. Agora havia uma curva à esquerda, mais um bocadinho, uma curva à direita, a "Cruz do Rebolo", o temido cemitério. Bom, não sei como nem como não, mas o "imprevisível" aconteceu. Na descida para AJP, a bicicleta começou a embalar, eu todo contente "vou passar o cemitério num instante" e, no meio daquela escuridão tive a sorte de "aterrar" numa das frondosas giestas que ladeavam a estrada de macadame esburacado. Passou o medo, toca a levantar, tratar de chegar a casa e ouvir aquela voz de Mãe que nunca mais dorme descansada, desde que lhe nasce o primeiro bebé:
- Então, filho, correu tudo bem? Vieste tão tarde... Estava em cuidado...
- Tudo bem, Mãe. Estou cansado e só quero dormir...
- Feliz ano novo, meu filho. Tens lá a botija para te aquecer... Agasalha-te bem... Vê lá não te constipes...
Desejos de bom ano dados pela Mãe!!! Que mais poderia desejar, para entrar em 1962???
E eu era mesmo feliz!!!
Ajuda-me, Zeca, tu sentes, cantas e dizes melhor do que eu o que EU sinto...

segunda-feira, dezembro 22, 2008

O Natal de Jesus

Era a festa mais desejada. Jesus ia nascer. Tudo nos falava d'Ele: os cânticos, as filhós, o madeiro, a prendinha (pequenina) no sapato ou na bota.
Pelo escurecer do dia começava o cheiro do azeite novo, aquecido nas caldeiras, a espalhar-se pelo ar. Eram os mais apressados a fazer inveja à vizinhança. Essa, guardava para depois da ceia, de couves traçadas com batatas e um bocado de bacalhau ou ovos, o "ataque" a este "doce" tão típico do Natal da minha infância. Haviam sido amassadas e "fintavam", calmamente, aguardando a sua vez de fazerem parte da festa. Também o cheiro a fumo das lareiras saía dos telhados. E o do madeiro que os gaiatos da escola - alguns já bem grandotes - agora de férias, haviam tentado acender, com codeços, giestas e "saragoaços" apanhados ali no "Sobreiral", sem resultado. Só fumaça!!! Aquilo seria tarefa para rapazes e homens, lá mais para o anoitecer!!!
A magia do fazer das filhós encantava-me, encantava-nos. A ceia fora comida, a massa estava "finta", a família reunida à volta do lume. Um caldeirão cheio de azeite, pendurado nas "cadeias", ia sendo aquecido com o lume mais forte que o habitual, que também aquecia os nossos corações. No colo da minha Mãe e da minha avó Emília, por cima da roupa, na zona de um dos joelhos, era colocado um pano branco, especial para estas andanças. Bocados de massa eram estendidos nesse pano, puxados e repuxados pelas abas, em forma de lua cheia bem fininha, e metidos, cuidadosamente, no azeite já bem quente, onde "desapareciam" para, segundos depois, ali ficarem a boiar, a alourar, a dar uma vontade danada de provar. De comer. Afinal eram saudades de um ano!!! Quando o arrefecimento já o permitia, os garotos eram os primeiros a saborear. Até porque o sono andava por ali, e quase nunca "víamos o fundo à panela", pois o "João Pestana" tivera o condão de os pôr em sossego. A sonhar com o alvorecer! O Menino Jesus ia passar pela nossa casa.
Raramente deve ter havido "Missa do Galo" na minha infância. Pelo menos eu nunca fui. O P. José Maria, bem avançado na idade, com duas paróquias - vivia em Aldeia do Bispo - desculpava-se com a dificuldade da deslocação. E era justo, dadas as circunstâncias: tudo às escuras, transportando-se num cavalo, com frio e chuva... estava-se mesmo a ver!
No entanto, o Povo fazia a sua própria festa. O madeiro acendera, finalmente. Nestas coisas não há como a presença dos homens. Ou vai ou racha! E o adro, com aquele enorme fogueira tornava-se o centro, mais, o coração da Aldeia. Depois de acabado o trabalho das filhós, a maior parte da população saía à rua, cantando em louvor do Deus Menino, batendo de porta em porta, saudando com "boas festas", provando... bebendo, bebendo... comendo, em casa de pais, de filhos, de amigos, de familiares. Mas era certo e sabido que a romaria acabaria à volta da fogueira, com grande calor humano, digo mesmo, espiritual.
E os "dorminhocos"? Não, não me poderia esquecer deles. Para a maior parte das Crianças o Menino Jesus "passava" e nada deixava. Era pobrezinho como elas, nada tinha, nada poderia dar. Alguns mais "sortudos" lá apanhavam uma laranja, um carrinho de madeira, um moinho de papel, uma peça de roupa, uma moeda. Não é que um escudo poderia mesmo representar a sorte grande? Do Menino Jesus dos ricos não falo, pois não o conheci...
A Missa. Diferente. O lindo presépio era muito do nosso encanto. Tinha razão Francisco de Assis. Dizia-nos muito mais do que aquelas rezas em latim a que poucos respondiam sem saber o que diziam. Estava a chegar o Vaticano II e o grande Papa João XXIII.
Era alto o momento de beijar o Menino, enquanto todos cantavam o que sabiam, entendiam e sentiam:
Alegrem-se o Céu e a Terra,
Cantemos com alegria,
Que já nasceu o Menino
Filho da Virgem Maria.
ou
Naquela noite abençoada,
Em que nasceu o Salvador,
Anjos com voz amorosa,
Deram ao Céu este louvor.
Refrão: "Gloria in excelsis Deo!!!"
Pronto!!! O Natal já passou, pelo menos este que aqui recordo. Mas vão ser outros os pais, vão ser outros os filhos, vão ser outras as crianças. Mimadas e estragadas. E a grande lixeira dos contentores vai atordoar-nos e fazer muito mal à nossa Terra. Pobre Planeta!!!
Que vamos ver? Muitos gestos de generosa boa vontade. Das grandes superfícies, as novas "catedrais", sairão carros de compras cheios de nada e outros vazios de tudo.
De Jesus cada vez se fala menos. A maior parte da Humanidade nem sabe o que se festeja!!!
http://uk.youtube.com/watch?v=T8NqV9tzdiQ

sábado, dezembro 20, 2008

O Presépio!!!

Maravilhosa "invenção" de S. Francisco de Assis que, em 1223, teria montado o primeiro presépio, na floresta de Greccio, para que, assim, os camponeses, seus conterrâneos e contemporâneos, compreendessem melhor o nascimento de Jesus. O acto ganhou raízes, espalhou-se pelo mundo cristão e chegou à minha Aldeia. Quando nasci, já lá estava. E é desse(s) que venho falar! O primeiro presépio que eu vi era pequenino, pobre e simples como as gentes a quem se destinara. É uma das mais remotas lembranças da minha vida. "Aparecia" no altar dedicado a Nossa Senhora da Graça e ali ficava até ao Dia de Reis. O grande "salto" dá-se pelo meus 8 ou 9 anos e foi uma das maiores surpresas da minha vida!!!
Durante o ano, na missa dominical ou nas de outros dias festivos, os gaiatos da catequese costumavam ficar no lado do altar-mor, nem sempre se comportando muito bem, e só o olhar autoritário do P. José Maria "metia na linha" aquela garotada tirada, por momentos, à tutela dos pais. Foi assim durante muitos anos: homens lá para cima, no coro alto da igreja; mulheres e garotas na zona do "rés-do-chão" e os miúdos ali, à esquerda do altar. Ora, num dia de Natal, por volta de 1950, todo o "nosso" espaço apareceu ocupado com um presépio lindíssimo, oferta da Casa F., dizia-se, que me deixou completamente atordoado. Eram figuras de barro muito belas, majestosas: Maria, José e o Menino numa cabana de encantar; lá atrás, o burro e a vaca; pendurados de maneira habilidosa, os anjos seguravam uma faixa artísticamente desenhada com a frase "Gloria in excelsis Deo... "; no campo, em redor, um vasto tapete de musgo, os pastores e os seus rebanhos; lá ao fundo, os Reis Magos montando garbosos cavalos - tenho a vaga ideia de um deles vir em cima de um camelo. Nunca os meus olhos de criança de aldeia haviam mirado tamanha maravilha. Sempre que podia, escapava-me para dentro da igreja e ali ficava, "amarrado", numa atitude quase mística, em contemplação daquela cena "do outro mundo" e nunca antes sonhada. Em cada ano, lá vinha a surpresa final: no Dia de Reis, como por magia, as montadas já não estavam lá e os Magos apareciam, em frente da imagem do Menino, em adoração e oferendo-Lhe ouro, incenso e mirra.
Com o decorrer do tempo, progredindo na catequese, fui sendo convidado para ir com os nossos seminaristas, de férias, apanhar o musgo e o amor ao presépio tornou-se mesmo uma paixão da minha infância e da minha adolescência.
Os anos passaram, os seminaristas eram cada vez menos, regressara à Aldeia com o Curso a que me dedicara e por ali fiquei. A "promoção" por que tanto ansiara chegou, por fim, com naturalidade: jovem professor de aldeia, com muito tempo livre e poucas oportunidades de o ocupar - a leitura foi o passatempo preferido - sem dificuldade tornei-me um dos responsáveis pela construção do presépio paroquial. No dia 24 de manhã, era combinado, um grupo de jovens, adolescentes e crianças lá ia até ao pinhal das "Colmeias", onde o musgo era de primeira qualidade, cada um esforçando-se por tirar daqueles "barrocos" de granito a "manta" de musgo que iria atapetar a "casa" do Menino Jesus, em cada Natal. E garanto-vos que o desafio "obrigava" a que todos dessem o seu melhor e o resultado final só podia ser um: vários cestos de musgo com que, na tarde desse dia, seria construído o presépio dos nossos sonhos, colocando com as nossas próprias mãos aquelas figuras encantadoras que fizeram tantas crianças e adultos sonhar com um mundo melhor, tão belo com era aquele que os nossos olhos ali contemplavam.
Veio o serviço militar, a mudança de vida e tudo ficou para trás menos esta tão grande saudade de tempos que não voltarão.
Os "anjos" cantam...

segunda-feira, dezembro 15, 2008

Apanhar a azeitona


Era um som lúgubre, estranho, "atroando" as madrugadas frias, chuvosas, escuras do mês de Dezembro da minha infância. O toque do búzio. Ou dos búzios. Que cada rancho tinha o seu. E era reconhecido por cada um, sem grande margem para dúvidas. Foram difíceis, muito duros aqueles anos de meados do século XX. As guerras haviam terminado - a do Franco e a do Hitler - com todo o rasto de misérias que também nos tocaram, das quais a fome não esteve ausente. Excesso de população, a terra mal distribuída, umas centenas trabalhando para meia dúzia "deles", "à jorna" quando não de arrendamentos. Uma exploração desenfreada e sem vergonha. Há quem pense que o roubo do suor de quem trabalha é de hoje. Mais velho que a invenção da escrita... Na minha Aldeia, os tenentes da propriedade que valesse a pena contavam-se pelos dedos de uma das mãos: A "Casa FF", com a parte do leão, a "Casa OM", a "Casa PM", a "Casa D.A", e a "Casa PA"... Depois ainda uma meia dúzia de remediados, com umas oliveiritas, dando para a sua família e pouco mais. Os restantes, umas centenas, tinham de viver à custa de muito curvar a cabeça e aguentar, aguentar, aguentar... De mais!!!
Embora fossem ganhar uma miséria, paga em espécie, acotovelavam-se para terem a sorte (má) de arranjar lugar num dos ranchos que fosse apanhar a azeitona daqueles/as senhores/as a quem andavam a "tirar o chapéu" durante o ano inteiro "Como está, meu senhor/minha senhora, vosselência passou bem???!!!!" Mas vamos à azeitona. Tocava o búzio, saltavam da cama a correr, se ainda o não haviam feito, mal vestidos, mal comidos, mal calçados aí vão eles aos tropeções, o Sol tardando bastante a iluminar e a aquecer, se é que não vai estar tapado todo o dia, ou mesmo cair uma carga de água. As distâncias a percorrer, antes de "pegar", eram grandes: "Minas do Palão", "Carreira de tiro", "Antas"... "Baságueda", "Barros" eram sítios ermos e distantes por onde tinha de se começar. Primeiro os "ossos", bem longe; depois, lá mais para o fim, ir-se-iam aproximando do "Povo", quando as forças já mais que faltavam. Percorridas distâncias inimagináveis nos dias de hoje, pés ensopados e roupinha agarrada ao corpo, tantas vezes molhada, lá se aguentavam aqueles "pobres de Cristo" para apanharem sacas e sacas de azeitona, outras vezes enchendo aquelas grandes arcas colocadas sobre o carro puxado pelas vacas mansas e sofredoras, como eles companheiras de desgraça. Encostavam-se sete ou oito escadas de madeira bem altas, com 18 ou 20 "banzos", ao redor das grandes oliveiras, por elas subiam os homens que iam ripando, à mão, as azeitonas geladas. A vara, pendurada ao lado da escada, só podia ser usada para que nenhuma azeitona ficasse lá nas pontas mais distantes, onde o braço bem esticado não chegava, pois o "varejo" "prejudicaria" a colheita do ano seguinte. Em baixo, as mulheres - uma por cada homem que subisse - estendiam os panais onde se iam recolhendo os frutos que caíam; muitas, mesmo muitas azeitonas eram apanhadas do chão encaramelado, os dedos não conseguindo unir-se de tanto frio, às vezes atenuado pelo passar breve na fogueira fumarenta de ramos molhados ou até verdes. Luvas? Se calhar, nem sabiam que existiam...
Qual o objectivo destas molhadas de gente a trabalhar naquilo que não lhe pertencia? Para todos eles seria conseguir 1/5 (UM QUINTO a dividir por todos os "casais"!!!) do que apanhassem. O famigerado "QUINTO"... O dia passava áspero, muito duro. De quando em vez, ainda havia força para soltar um daqueles nossos cantares tão típicos de cada trabalho e época. "Alegrem-se os Céus e a Terra..." ou "Azeitona galeguinha..." Quantas vezes ouvi esta, não no trabalho quase cruel da sua apanha - aqui fui poupado! - mas na festa de encerramento das colheitas, lá para fins de Dezembro ou até em Janeiro, com que os donos dos olivais, em jeito de "adoçarem a boca" a quem tanto a amargara, "obsequiavam" a quem tanto exploraram.
No regresso, quase em silêncio, já o escuro não permitia que se enxergasse o mau piso dos caminhos e das estradas daquele tempo. Energia eléctrica não havia. Só no lagar dos "F's", produzida por um dínamo accionado por uma máquina a vapor. Um espanto para os muitos gaiatos em que me incluía, e até para os adultos. Passavam apressados e esfomeados pela ruas da Aldeia. Chegavam a casa, acendiam o lume no "lar" de granito, com lenha verde, às vezes; de pouca qualidade, quase sempre. Tudo cheirava a fumo. A panela de ferro era encostada à chama, para dela sair a ceia com que "enganar a fome". O caldeiro de lata, para aquecer água ou a vianda do porco, ficava suspenso na "cadeia" de ferro, amarrada a um "caibro" do tecto de telha vã da cozinha, por onde se escapava o fumo. Em volta da chama, formando um semi-círculo, sentava-se a família, em assentos de cortiça ou madeira, mal acomodados se a filharada era muita. Na panela eram metidas umas batatas e umas couves traçadas. Conduto? Era uma grande sorte ter umas azeitonas da "apanha" anterior, um bocado de toucinho, um ovo era de festa, pão centeio nem sempre bem amassado e bem cozido. Um fiozinho do azeite "bem poupado" por um ano, dava algum aconchego ao que se engolia, quantas vezes sem vontade nem conforto. Dois dedos de conversa, uma acção de graças para os que sabiam rezar e entendiam o que diziam, à luz baça de uma candeia de azeite ou de um candeeiro de petróleo - noutros só a claridade que a própria fogueira deitava. Uma sorte haver ainda umas castanhas cozidas para comer. Ou uns figos secos... Sem rádio nem televisão, na mais completa ignorância do que se passava no Mundo. Quase todos analfabetos. Uma sorte???!!! "Gaiatos, vamos para a cama que amanhã temos de levantar cedo". Quando o sino da torre da igreja badalava, lentamente, as nove horas da noite já aqueles corpos cansados, extenuados se preparavam para repousar. A enxerga de era dura e irregular. Mole se não houvera palha com que enchê-la, no Verão anterior. A roupa da cama era grosseira, de fraca qualidade. Alguma da que se vestira para trabalhar ficará a enxugar, ao calor das brasa que se vão apagando. Para vestir no dia seguinte. Quando tudo se repetirá. Sem esperança nem futuro. A emigração estava para chegar. Ir para a França "a salto" era o que os ricos estavam a pedir. E iam ter...
Havia ainda os "lacaios", sempre de "coluna vergada" - instinto de sobrevivência? - e os "gatunos". Estes eram capazes de roubar os "patrões" e também a parte dos seus companheiros de desgraça, no caminho de regresso, no escuro que se fizera. Com eles não vale a pena perder tempo nem ocupar espaço...
Aos valentes resistentes dos quais já poucos restam, ao meu Tio Fernando que ainda lá vive e foi capaz de dizer "basta!!!" eu dedico este simples texto e um alegre cântico de libertação!!!

domingo, dezembro 14, 2008

Vem, Senhor Jesus.

Aí temos o 3º. Domingo do Advento, o "Domingo da Alegria"!
Neste momento de esperança, melhor do que eu pode falar-nos o Profeta Isaías, num texto magnífico, apelando à preparação do nosso coração para acolher o Salvador.
Livro de Isaías 61,1-2.10-11.
"O espírito do Senhor DEUS está sobre mim, porque o SENHOR me ungiu: enviou-me para levar a boa-nova aos que sofrem, para curar os desesperados, para anunciar a libertação aos exilados e a liberdade aos prisioneiros; para proclamar um ano da graça do SENHOR, o dia da vingança da parte do nosso Deus; para consolar os tristes, Rejubilo de alegria no SENHOR, e o meu espírito exulta no meu Deus, porque me revestiu com as vestes da salvação e me envolveu num manto de triunfo. Como um noivo que cinge a fronte com o diadema, e como uma noiva que se adorna com as suas jóias. Porque, assim como a terra faz nascer as plantas, e o jardim faz brotar as sementes, assim o Senhor DEUS faz germinar a justiça e o louvor diante de todas as nações."
As velas do Advento:
A terceira vela acesa convida-nos à alegria e ao júbilo pela aproximação da chegada de Jesus. A cor litúrgica de hoje, o rosa, indica justamente o Domingo da Alegria, ou o Domingo Gaudete, onde transborda nosso coração de alegria pela proximidade da chegada do Senhor. Esta vela lembra ainda a alegria celebrada pelo rei David e sua promessa que, agora, se está cumprindo em Maria.Oração:Alegrai-vos sempre no Senhor! De novo vos digo: Alegrai-vos! O Senhor está perto".
Maranatha!!!

Amor de Mãe... é único!!!




As saudades são muitas daquela que me trouxe em seu ventre e me fez ver a luz do Sol. Comigo vive, há 42 anos, a Mãe dos meus Filhos e vejo, em cada dia, quanto o seu coração é capaz de dar, sem nunca se cansar. Há dois dias, uma outra Mulher quis ser Mãe e fazer-me avô, pela quinta vez. Há a minha Filha e as minhas três Noras. São estas seis mulheres que eu hoje quero homenagear. Com este ramo de flores, com esta doce e sentida canção na voz meiga e terna de Francisco Petrônio. Há outras Mães!!! Ficam para a próxima...
http://uk.youtube.com/watch?v=dB1tiPvWUMI&feature=related

sexta-feira, dezembro 12, 2008

Mais um neto Deus me deu!

Pouco passava das 8 horas da manhã de hoje quando, lá no frio Centro da Europa, nos nasceu um Menino, Filho dos nossos Filhos, o nosso quinto Neto. Graças a Deus!
Juntamos a nossa alegria nas preces ao Bom Deus para que o Tomaz tenha nascido, como a "estrela d'alva" de que nos fala a linda canção de embalar que lhe dedico - de alguém que muito admiro - para guiar e iluminar tudo e todos à sua volta. Que Deus te abençôe, meu lindo Menino e aos teus Papás e que os teus velhos avós te vejam sorrir, saltar, correr, brincar, estudar... e te ouçam falar como já vimos e ouvimos o teu Pai e depois também a tua Mãe. Benvindo, nosso Neto! Agora só estamos ansiosos por te ver, ao vivo, já que as fotos que o Papá nos vai mandando só servem para "aguçar o apetite" de correr (voar) para ti. Beijinhos muito fofinhos dos Avós. Agora dorme, mansamente, ouvindo quem canta para ti. Não... não é o avô... Assim, tu é que ficas a ganhar!!!
http://uk.youtube.com/watch?v=5FyxEjV3Les&feature=related

domingo, dezembro 07, 2008

O nosso madeiro

Dia 8 de Dezembro.
Não era preciso serem nomeados. Os "rapazes das sortes" (recenseamento militar, na época aos 20 anos) sabiam que, à saída da missa do dia da Senhora Conceição, o madeiro estaria - tinha de estar!!! - a dar entrada no adro da igreja da nossa Aldeia. Desse por onde desse, custasse o que custasse. Isto passara de geração em geração. Sem apelo nem agravo. Lá pelo fim do Verão, cada um ia deitando o olho a qualquer sobreira de bom porte, que já não estivesse "bem de saúde". Sim, que os ricos eram "bons", mas não parvos. Árvore a que ainda se tirasse a cortiça ... nem pensar. A malta ia trocando impressões "no Lavadouro da D. Maria parece que está lá uma mesmo a calhar" ou "eu passei pelo Sobreiral e talvez tenhamos sorte com aquela..." "eh! pá vi uma ali para as Limpas... ali mesmo a jeito" e ainda "no Carvalhal" - bem, sei que é um pouco longe - mas esta é que não falhava"... Opiniões, conversas, umas mais rentáveis que outras, vantagens daqui e problemas dali acabava por se chegar a consenso. Mas ainda era preciso convencer o/a dono/a. Devo dizer, com toda a franqueza, que a "Casa Franco" tinha a porta a que mais vezes se batia. Também eram os donos de meia Aldeia. Feito o pedido, normalmente bem aceite, ainda que fosse por outro "palpite" do proprietário do futuro madeiro. Era só preparar a festa, que iria durar noite inteira de 7 para 8 de Dezembro. Naquele tempo não havia tractores, nem motosserras, nem empilhadoras. Abundava, sim, uma grande vontade de "fazer figura". Ah! O transporte!!! Se havia mancebos, cujos pais possuíam carro e junta de vacas, esse(s) estava(m) logo "mobilizado(s)". Se esta situação não ocorresse, lá vinha o padrinho, o tio, o vizinho ou a simples solidariedade, tão tradicional em muitas dos trabalhos das nossa Aldeia. Ao entardecer do dia há muito determinado, tocava o búzio que também juntava o pessoal da apanha da azeitona, naquelas frias manhãs do Inverno da nossa meninice, a rapaziada das sortes ia-se juntando e, aos poucos, o grupo compunha-se com familiares e amigos, merenda bem aviada, os garrafões ali à mão, que a noite não ia estar para brincadeiras, com frio e trabalho, tantas vezes a chuva para "ajudar". Serras, serrotes, enxadas, picaretas, machados, cordas, alavancas tudo era pouco para uma jornada que ia dar que falar, poucas horas depois. E havia que não "fazer ronha" encostando-se à fogueira, à merenda ou aos garrafões. Primeiro todos trabalhavam, depois todos comiam e bebiam. A chouriça, a morcela, o queijo, as azeitonas e o vinho corriam de mão em mão. Já os ramos maiores haviam sido derrubados - as pernadas mais fracas alimentavam a fogueira onde se iam aquecendo, à vez, ou por lá ficariam - e restava aquele enorme tronco, quase impossível de fazer vir abaixo. Por sorte, todo o esforço se concentrava agora nas raízes. Bater, cortar, serrar, empurrrar "a ver se vai"... "não, não vai... tás maluco ou quê? ainda temos muito que pernear". Bate daqui, tira terra dali, corta acolá "deixa ver essa machada que estás aí a fazer sorna" ou "pega-me à "sarra" desse lado" ... mais um empurrãozinho" ... Está quase"... "fujam que já la vai" ... "pronto, já está"... "já está??? Quem é que consegue carregar um "burro" destes"? Temos que o cortar pelo menos em três "metades". Mais uma rodada para ganhar coragem, um bocado de queijo "não, eu prefiro o chouriço que está muito bom". Pelas cinco da manhã tudo está traçado. "Atão os ganhões não aparecem?" "Querem ver ainda o sol nasce e eles nem de comer deram às vacas?" "Calma que já ouço o barulho das rodas dos carros". Um, dois três, quatro carros. "Será que chegam? Não que este ano temos aqui "um monstro". "Se for preciso, venho cá outra vez". "Isso é que havia de ter uma porra de piada", "eu bem disse que havíamos de ter pedido ao Pechinchinho", "vamos mas é deixar de conversa, que essa não carrega os carros". Empurra daqui, força dali, uuuppppaaa!!! vai o primeiro e o dono, com pena das vacas, protesta "bonda, assim está bem". "Vá, leva lá mais um tronco e assim vai tudo de uma vez". Contrariado, não tem outro remédio, senão aceitar. Sucessivamente, aos poucos, a sobreira vai passando para cima dos carros e, pelas oito horas, o desfile aí vai. No laranjal ao lado foram "pedidas emprestadas" uma tantas laranjas que a malta vai comendo e, é da "lei" cada vaca levará uma espetada nos cornos, dezasseis, portanto.
Calhara bem a Missa às 10 horas. Quase tudo funcionou como um relógio. Que não o da torre, que quase nunca dava horas de jeito. Mas calhou mesmo certo, sem relógio nem nada. O nascer do Sol era suficiente para todos saberem às quantas andavam.
A canalhada veio à beira do Povo espreitar a proeza e junta-se à algazarra. Sim, naquele tempo, quem tivesse menos de 18 anos nem podia pensar em pôr os pé na rua, depois do toque das "Avé-Marias". Portanto, só agora viam o madeiro "ena tão grande!!!". O mulherio, acabado de sair da Missa, espreitava, no adro, enquanto se ia aquecendo ao sol e desenferrujando a língua numa de "prós e contras". Empoleirados lá no alto dos carros, que as vacas, mansamente e bem decoradas puxavam, calmamente, os moços "das sortes", por conta de quem a festa corria, entoavam cânticos de Natal, habitualmente desafinados - ah! quando havia a sorte e o dinheiro para contratar um "tocador" (de concertina) é que era festa mesmo p'ra valer!!! - iam dando vivas para aqui e para ali, a este e aquele, muito lembrado o que dera a sobreira e a sua família - e atirando laranjas às moçoilas namoradeiras, pelo menos prontas para isso. Está bem de ver que cada um sabia onde "acertar". Elas ficavam vermelhonas, mas a laranja era uma "seta" bem dirigida, quase sempre com um "sabor" mais "doce" do que aquele que o fruto podia em si conter. Repicavam os sinos na torre, com sorte podia ouvir-se um morteiro. Ou dois. "Desvio" das festas de Verão??? Não se sabia "por conta de quem". Que a GNR não era para brincadeiras. As suaves ladeiras de acesso ao adro eram vencidas, com a generosa mansidão da força das vacas. Às vezes, uma ajuda da rapaziada para uma junta menos possante.
Descarregar os pesado troncos é a parte mais divertida e fácil Fazer de valentes frente aquele Povo ali reunido redobrava as forças e não demorava muito que um morte de troncos se ajeitasse para aquecer os corações e os corpos na noite de consoada, na das filhós, na do bacalhau com couves traçadas bem regadas com azeite novo, Missa do Galo, noite escura iluminada pelas luzes bruxuleantes das lanternas de azeite. Falaremos nisso muito proximamente.
Empilhados os troncos, era a altura dos "vivas" em jeito de agradecimento "vivam os rapazes das sortes" "viva quem deu o madeiro" "viva a família de quem deu o madeiro" "vivam as raparigas da nossa aldeia", "viva o Povo de Aldeia de João Pires", "viva quem nos ajudou" e que quase sempre terminava com um "viva o madeiro qu'inda está inteiro" e "viva eu!!!".
A festa chegara ao fim. Os do ano seguinte não precisavam de ser nomeados: no próximo dia 8 de Dezembro a folia correria por sua conta...


http://uk.youtube.com/watch?v=hI60YFNZO80

quinta-feira, dezembro 04, 2008

A vantagem de ser Avô

A minha Filha nasceu em África e por lá viveu cinco anos. O meu genro, por força da condição militar do seu Pai, andou por lá também. Ficou-lhes "a veia". De maneira que, sempre que surge a oportunidade, "escapam-se" para lá. Quem me dera eu também voltar a viver a magia daqueles tempos!!! E não só pela idade. Aquele Continente, aquela gente marcam-nos para sempre.
Foi assim que, depois de um "se pudessem ficar com os netos", "nós gostaríamos de ir passar uns dias descanso(!!!)" etc. etc... poucos etc.'s, sem dúvida, mas com o "charme" de quem precisa e sabe que o sim é mais que certo lá se foram para o Senegal a gozar uma semanita bem quente, enquanto nós por cá ficávamos com uma das semanas mais frias dos últimos anos. Foi uma experiência muito boa. A Avó está muito perto dos gaiatos, ela de 12 anos e ele com 8. Fica muitas vezes com eles, atura-os, acompanha-os nos estudo e necessidades básicas, adormece-os a conversar com eles e com Deus. Por força da minha vida, até Agosto, aturar garotos todo o dia, ainda não me dispusera a passar por esta aventura de quase 24 horas, em cada dia, com os meus Netos mais velhos. Moram aqui a 1 km. Possuindo tudo o que lhe faz falta - e até sobra - "mudámo-nos com armas e bagagens" lá p'ra casa deles. Devo dizer que quase não deram trabalho. Só a "birra" dele, na última noite, com aquele frango do segundo golo do "nosso" Vitória na baliza do "seu" Benfica... Mas até eu ficaria assim... se não fosse o contentamento que senti... E não pude expressar!!! O miúdo ficou mesmo "desesperado". Até queria prolongamento e quase tive de me zangar a explicar-lhe, repetidamente, que levava um ponto e pronto!!! Para ele foi uma tragédia, que lhe dificultou muito o adormecer, conseguindo-o com muitos miminhos e palavras de conforto da Avó. Mas dei um salto enorme pelos outros dias. Sim, foram muito bons. Pela primeira vez gozei as delícias de ser Avô: abraços, beijos, conversas, massagens nas costas, refeições. Ajudando e recebendo o seu conforto, o seu carinho. Senti-os adormecer e acordar. Houve pedidos de ajuda ou de esclarecimento. Conversas normalmente simples e consoladores. De vez em quando um "chamar de atenção", Pela primeira na vida joguei "play-station". Claro, tinha de ser um Sporting-Benfica. Não tenham dúvidas que o meu neto me aplicou 3 "secos". "Engoli em seco", como não podia deixar de ser. Já manhã do dia 2 ia alta, quando regressámos à base, ansiando nós - julgo que eles também - que nos sejam dadas novas oportunidades de demonstrarmos que somos bons Avós, que eles são Netos mesmo muito bons.