domingo, dezembro 28, 2008

Passagem de ano... em 1961

No primeiro ano lectivo em que exerci, havia ainda muitas Crianças e Jovens nas nossas Aldeias. Eu era um deles, 18 anos cheios de sonhos e muita "insconciência" e quanta inocência. Fora colocado na Escola Masculina - os professores só podiam dar aulas a rapazes! - de Aldeia do Bispo e aproximavam-se as primeiras férias pagas da minha vida . Sendo as nossas Aldeias quase "pegadas" - 1,5 Km separava-as, hoje nem isso!!! - quase todos nos conhecíamos e dávamo-nos, umas vezes bem, outras nem por isso. Mas com o advento da "educação para todos" - os Colégios de Medelim e Penamacor tiveram primordial papel na "democratização do ensino" - as relações entre a malta nova foram amaciando e tornando-se cada vez mais pacíficas. Nesse tempo, a sul de Penamacor, só AB tinha já o "privilégio" da iluminação eléctrica, com uma população razoável, expressa nos cinco lugares docentes ali criados e providos, cada turma com mais de 30 alunos. Dois professores casados, o casal Paula de Campos, e três solteiros, dos quais eu era o "benjamim", um "menino de leite" quase. Depois havia os docentes do Colégio, estudantes alguns mais velhos do que eu e foi assim que se decidiu organizar a passagem do ano para 1962, em AB. Quase 100% dos participantes juventude desta localidade. Alguém emprestou uma casa com uma sala ampla, arranjaram-se "comes e bebes" e um gira-discos, pois que a música seria indispensável. Não recordo os músicos "convidados" em discos de 45 rotações, mas tenho a certeza de que eram os que "estavam na berra". Havia, já naquele tempo, de dinheiro escasso, sempre um ou outro que "estava na crista da onda"...Embora eu tivesse "pé de chumbo", mas porque passava a maior parte do dia e, às vezes, até da noite em Aldeia do Bispo - o "Clube Fernão Lopes", de saudosa memória, teve uma feliz influência na promoção cultural daquela gente - fui um dos participantes e, quando se fez tempo, às escuras e a pé, meti-me a caminho, pelo que, à hora do começo das "hostilidades", me apresentei no local escolhido. Rapazes não faltavam: o QC, o FE, o AP, o ZR, o AP1, o JM, o DV, o TP, o AS, o Eng. R. (a "arrastar a asa", com êxito, à HE, sua aluna, e já ambos "do lado de lá"...), o JI... E as miúdas, todas lindas, também eram suficientes. Mas nunca de mais: a MGC, a MJC, a MRI, a MHE, já referida, a MLE, a MJP e outras que o tempo "apagou" desta cabeça já "tonta"... A noite foi animadíssima. A entrada em 1962 mais que festiva, dança p'ra cá, roda p'ra lá, petisca aqui, bebe dali. resumindo: o tempo passou num instante e mal nos demos conta já passava das duas horas do ano novo. As cachopas tinham hora marcada para regressar ao "ninho", a maior parte dos rapazes também - sim, naquele tempo era como escrevo, incluindo-me no rol, com vaidade, se bem que "pisar o risco", de vez em quando, não fosse grande "crime"!!! - pelo que se pôs a questão do meu regresso, sozinho, a AJP. Começara a cair aquela chuva "molha tolos" que dava para ficar ensopado enquanto subia até ao limite das aldeias e depois o resto era sempre a descer. A escuridão, fora de AB, era de não se ver um palmo à frente do nariz. Na perspectiva do regresso a pé diz-me o "Padre":
- Ó Pá, eu empresto-te a minha bicicleta, mas não tem luzes e só trava com a roda de trás!!!
Nem hesitei em aceitar, pois sempre passaria mais depressa em frente do cemitério, a que guardava "grande respeito". E só uma farra destas me levaria a "afrontá-lo". Pedalar a subida era difícil, mas seguro. Mesmo depois de passadas as últimas luzes de AB, quando entrei na escuridão total. Total mesmo!!! Só pela "adivinhação": realmente era "fácil" pois eu sabia que era "sempre a direito", em velocidade mínima. Chegar ao alto foi canja. Agora havia uma curva à esquerda, mais um bocadinho, uma curva à direita, a "Cruz do Rebolo", o temido cemitério. Bom, não sei como nem como não, mas o "imprevisível" aconteceu. Na descida para AJP, a bicicleta começou a embalar, eu todo contente "vou passar o cemitério num instante" e, no meio daquela escuridão tive a sorte de "aterrar" numa das frondosas giestas que ladeavam a estrada de macadame esburacado. Passou o medo, toca a levantar, tratar de chegar a casa e ouvir aquela voz de Mãe que nunca mais dorme descansada, desde que lhe nasce o primeiro bebé:
- Então, filho, correu tudo bem? Vieste tão tarde... Estava em cuidado...
- Tudo bem, Mãe. Estou cansado e só quero dormir...
- Feliz ano novo, meu filho. Tens lá a botija para te aquecer... Agasalha-te bem... Vê lá não te constipes...
Desejos de bom ano dados pela Mãe!!! Que mais poderia desejar, para entrar em 1962???
E eu era mesmo feliz!!!
Ajuda-me, Zeca, tu sentes, cantas e dizes melhor do que eu o que EU sinto...

3 comentários:

Luis disse...

Olá paizão
As histórias gira que vou sabendo sobre ti neste blogue.
As ler esta quase que seguia a teu lado na bicicleta a imaginar a tua viagem às escuras.
Desculpa mas não pude deixar de sorir com o fim do passeio, porque o adivinhava deste o principio :-)
Um beijo

Luis

Unknown disse...

Vê como os filhos nos conhecem bem?! E depois a eles também já lhes aconteceram umas boas, algumas vamos sabendo, outras....
Felizmente para mim, a minha mãe ainda me dá as boas noites, lá em cima no Vale, ou peloi telefone. Saudades meu amigo, é uma coisa que a gente vai ter que aguentar. O Zeca, só o pensamento arrepia. Ficará para sempre connosco, na nossa saudade, nas nossas memórias, nas canções que afinada ou desafinadamnete vamos trauteando. A canção com que mais vezes embalei o Nuno foi "O Meu Menino é d'oiro". Força Amigo.

Vanda RS disse...

Ora esta foi uma boa entrada de ano! Tao boa que ninguém deu pela meia-noite passar!
A viagem foi uma aventura e o desfecho previsivel.
Que boa viajem no tempo que me transportou!