quarta-feira, janeiro 07, 2009

As Janeiras


Passava-se há muitos anos. As noites eram frias, escuras, muitas vezes molhadas. As festas de Natal já haviam passado, sem o "brilho" dos "natais" de hoje, mas com muito mais encanto e espiritualidade, sim, espiritualidade que adensava o encanto de um Deus que quis ser Menino para nos tornar irmãos. A passagem do ano novo, quase não tinha significado para a grande maioria da população, a não ser que, por causa do "dia santo", não iria passar pelas agruras da apanha da azeitona. Contudo, não seria pago tal descanso! Pelo dia de Reis, santificado e de preceito também, ocasionalmente até antes, era dada a "partida" para o cantar das Janeiras que, durante dias, umas vezes de forma improvisada, outras com alguma organização e até acompanhamento instrumental, iam aqui e ali, a pedir qualquer coisa que se comesse ou bebesse... Uns faziam-no para se divertirem; outros, "à cata" de um "mimo" que "consolasse" ou até ajudasse a mitigar a fome. Eis um aspecto que ainda nunca encontrei focado no que tenho visto, lido e ouvido. Os jovens, na nossa Aldeia, casados e solteiros e também as crianças existiam em quantidades inimagináveis para os que hoje por lá passam, se tiverem menos de 40 anos. Era assim que, não raro, apareciam vários grupos que, à luz de lanternas de azeite ou candeeiros de petróleo - ou até na mais completa escuridão - iam percorrendo as ruas da Aldeia, detendo-se nas casas onde se podia sentir um pouco de capacidade material e generosidade de coração - nem sempre unidas - para partilhar as filhós restantes de uma Consoada já longínqua, uns figos secos, um naco de pão com queijo, um copo de vinho... Uma chouriça, morcela ou um bocado de toucinho seria quase um acertar no "euro milhões"... Tal situação só para amigos e/ou familiares, numa forma de prolongar o serão em noites bem longas...

Cantava-se "São chegados os 3 Reis magos/Das bandas do Oriente/Adorar o Deus Menino/Senhor Deus, Omnipotente". Ouvia-se também, já com outra música, a criar receptividade nos donos da casa "Inda agora aqui cheguei/Logo pus o pé na escada/Logo meu coração disse/Aqui mora gente honrada". E ainda "De quem é o "pentem" d'ouro/Qu'além está dependurado/É do menino "José"/Que Deus o faça um cravo". Depois era dedicada uma quadra a cada um dos que poderiam estar dentro da casa, o que levava o seu tempo. Em casa dos meus avós paternos contavam-se 10, sem os netos... E não eram os "campeões" lá da terra... Mais "Venha-nos dar as Janeiras/ Se as tem para nos dar/Somos daqui muito longe/Temos muito para andar". Uns momentos de silêncio em que se decidia o tudo ou o nada!!! Abrindo-se a porta, lá vinham os votos de bom ano, um ou outro petisco, um "copo"... se houvesse autorização para entrar. De outra forma, podia vir uma mão-cheia de figos secos ou de castanhas... que iam "p'ró saco", para despachar... Correndo tudo bem, isto é, se valera a pena o esforço e o empenho, lá vinha mais uma quadra o agradecimento final. Se os de dentro "faziam ouvidos de mercador" era certo e sabido que a despedida era sempre a mesma: "O toucinho é bom alto/E a faca não quer cortar/ Esta "barba de farelo"/ Não tem nada p'ra nos dar." E a procissão lá seguia a tentar a sorte noutras bandas ...

Tenho de esclarecer que a "barba de farelo" nem sempre se justificava, pois quando se sabia que em tal casa o acolhimento era fraterno a "cantilena" era mais que muita... E dar sempre também "cansa"...

http://www.youtube.com/watch?v=yUy9lfDtffc&feature=related

http://www.youtube.com/watch?v=sR98_Hyhv74&feature=related

2 comentários:

Unknown disse...

Levante-se lá senhora/ Do seu banquinho de prata/Venha-nos dar as Janeiras/que está um frio que mata;
Levante-se lá senhora/Do seu banco de cortiça/venha-nos dar as Janeiras/Seja morcela ou chouriça.
Oh Excelso Deus que já é nascido, filho de uma rosa, de um cravo florido. Penso que é assim. Este ano no Vale voltaram a cantá-las. Como sempre um belo texto

António Serrano disse...

Também cantávamos estas quadras lá em AJP. A minha cabeça é que já não dá aquilo de que agora preciso mais e que já tive em abundância: memória!!! Obrigado pela ajuda sempre bem vinda!