domingo, novembro 29, 2009

Rapazes, isto é "comunismo"!!!

Carta a um Amigo,
Decorria o ano de 1960 e, em Castelo Branco, no mês de Fevereiro, se bem me lembro, caiu um belo nevão. Cidade fria, como bem sabe, era mais dada a geadas do que à neve, pelo que a malta, à saída do Liceu, aproveitou para fazer umas bolas da dita cuja para atirar aos outros, nomeadamente às garinas. A PSP, que tinha muito menos que fazer do que hoje, pois havia muito menos bandidos, aproveitou para avançar em "cima" dos estudantes, sob o pretexto de que "estavam" a perturbar a ordem pública e afincou, nalguns rapazes, uma belas bordoadas. O Reitor, Dr. José Catanas Diogo, é que também não esteve com meias medidas e toca arengar ao pessoal "Rapazes, isto é COMUNISMO! Isto é COMUNISMO!!!" Julgo que nem ele sabia o que era Comunismo e a malta ainda ficou a saber menos. Na certeza de que, se o "comunismo" era atirar bolas de neve às gaiatas, então todos queríamos ser "comunistas"!!!
Mas a expressão "pegou" e, durante semanas, na galhofa, a frase favorita da malta era "Rapazes, isto é comunismo!!!" Uma risada geral, inconsciente e feliz, que até ajudou a esquecer as nódoas negras dos cassetetes dos PSP. E o Dr. Catanas Diogo deve ter tapado os ouvidos muitas vezes.
Ora, meu caro Amigo, as imagens do "santuário" no caminho do Sul do nosso País, fazem-me pensar que, se o Dr. Catanas por lá passasse e fosse tão ateu como era convicto "situacionista" diria, sem dúvida, "Portuguesas e portugueses, isto é 'inquisicionismo', isto é 'vaticanismo'!!!!!!!!!!!!!!!!!"
Pois bem: o meu querido Amigo é uma pessoa inteligente e sabe perfeitamente que há, por sinal, "inquisição" em Portugal, mas não é a da Igreja. O Sócrates é testemunha e "vitima". E também tem a certeza de que, no Vaticano, nem sabem onde fica o Alentejo, quanto mais o referido "santuário". Assim, só por "cegueira saramaguiana" se pode ver, naquilo que nos que mostrou nas suas simplórias imagens, a mão da Igreja. Como a cegueira que levou o Dr. Catanas Diogo, distinto membro da LP e da MP, a ver "comunistas" nos alegres estudantes do Liceu D. Nuno Álvares Pereira, que brincavam com bolas de neve.
Só lhe agradeço ter-me avivado a memória e, assim, no meu blog, vai ser acrescentada uma nova mensagem de um assunto divertido, que andava pelo esquecimento.
Abração deste que o estima, mas que tem o "defeito" de não estar sempre de acordo consigo, pois tudo tem limites e do direito à diferença eu não abdico. Arda o que arder. Haverá que apontar ao Vaticano coisas bem mais graves, mas não o patrocínio dessa simplória crendice dos populares lá das bandas do sul do Alentejo, a entrar no Algarve. Ou será já no Algarve? Acho exagerado os adjectivos por si aplicados aos "crentes", pois a Liberdade tem consequências. Uma delas é, fortemente, a tolerância para os "desvios" dos outros - e quem os não tem?! - que melhor se "converterão" a quem discordar do que fazem ou do que que crêem com diálogo do que com "chavões" vanguardistas.
Seu Amigo dedicado,
António Serrano

quinta-feira, novembro 26, 2009

A corja

Na fragilidade de um poema
Feito com versos de vento e água,
Desfaço em pedaços mil dilemas,
Liberto minha revolta e mágoa.
Como quem descrê no que acredita,
Por já não crer em nada e ninguém,
Dou meus frutos, sou árvore maldita,
À corja, oxalá a envenenem bem.
Perguntei ao vento: - Aonde me levas?
Olhou-me com dor e disse a sorrir:
- Levo-te de volta à noite das trevas,
Onde não há presente nem porvir.
- Que lugar é esse, que noite é essa
Onde tu, ó vento, me queres levar?!
- É o reino das falsas promessas
E mentiras, de quem quer governar.

Não vi rosmaninho nem alfazema,
Das rosas só restavam os espinhos.
Não vi a poesia, menos poemas,
tojos, urzes e outros maninhos.
Não vi sorrir o rosto das crianças,
Só velhos com tristeza no olhar,
E loucos e doutos sem esperança,
Nem sol d’ Abril nem Lua ou luar.
Não vi rios nem as verdes campinas,
Nem ouvi os rouxinóis no arvoredo…
Por entre uma fria e densa neblina,
Só se ouviam pragas e gritos de medo.

Perguntei ao vento que me guiava:
- Diz-me, meu amigo, quem grita assim?!
Porém ele não falava, calava
A verdade por ter pena de mim.
Mas perante a minha insistência
O vento acabou por me dizer:
- Amigo, os lobos não têm clemência
Quando está em causa o poder.
E de súbito, da neblina cerrada
Saiu a mais faminta alcateia…
Mil lobos, de fauces escancaradas,
Que devoraram mil anhos à ceia.
Eram lobos anafados, lustrosos.
Era uma insaciável alcateia…
Arrotando forte os mais poderosos,
E uivando os mais fracos por ceia.

Eis um poema só de raiva feito
Onde vos dou versos como poção…
Antídoto algum lhe tire o efeito,
Morram os lobos que nem lobos são.
São só versos de amarga revolta…
Malditos sejam se os lerdes em vão.
Deixo a minha raiva correr à solta,
Ergo a voz e à corja digo: - Não.


Homem da Serra
Zeca, volta, volta... "Eles comem tudo!"

Saramago, esse desconhecido...

CARTA DO CANADÁ
Fernanda Leitão

SEM COMPLEXOS NEM PRECONCEITOS

Seguramente, foi em 1959 que assentei arraiais na Brasileira do Chiado, no grupo pontificado por Tomaz de Figueiredo, Jorge Barradas, Abel Manta e Almada-Negreiros, onde fui dar pela mão de artistas plásticos cujo vasto atelier passou a ser, também, meu poiso habitual.Meu de muitas outras pessoas.
Em tardes de inverno, com a lareira acesa e tomando chá, por ali passava a dizer poemas Vasco Lima Couto e, a inundar o espaço com a sua voz inesquecível, Eunice Muñoz. Gente do teatro, do cinema, da música, das artes plásticas, do jornalismo, das letras, ali conviviam com serenidade e gosto.
A escritora Isabel da Nóbrega começou a ser habitual e depressa se tornou uma amiga dos donos do atelier. Senhora de bom berço e fino trato, inteligente e culta, bem instalada na vida, caíu numa cilada do demónio. Apaixonou-se por um zé ninguém, nem sequer bonito, muito menos simpático e bem educado, que olhava tudo e todos de nariz empinado, numa pseudo-superioridade de quem tem contas a ajustar com a vida, quezilento e muito chato. Falava como um pregador de feira e era intragável. Mas, em atenção à Isabel, lá íamos aturando o José Saramago.
Para mim, que sou péssima, foi ponto assente: aquele não a ia fazer limpa, era um depósito de ódio recalcado. Foi por isso que não me admirei nada quando o vi director do Diário de Notícias, a mando do Partido Comunista, onde, da noite para o dia, lançou ao desemprego 24 jornalistas, dos da velha escola, dos que escrevem com pontos e vírgulas, deixando-os, e às famílias, sem pão. Tambem não fiquei minimamente surpreendida quando soube que abandonou Isabel da Nóbrega, que tanto fez por ele, para alvoroçadamente casar com uma espanhola que foi freira e tem vastos conhecimentos no mundo da política e das letras. Para mim, estava tudo a condizer com a figura.
Cá de longe soube que publicava livros e vendia muito. Não me aqueceu nem arrefeceu, porque nunca li nada escrito por ele nem tenciono perder tempo com isso. Não me apetece, e está tudo dito. Nem o Nobel que lhe deram me impressionou, porque já vi o Nobel ser dado sem critério algumas vezes. Acho mesmo que o prémio está a ficar muito por baixo.
E agora, o homenzinho da Golegã a chamar nomes a Deus, a insultar a Bíblia nuns raciocínios primários de operário em roda de tasca. Dizem que o fez por golpe publicitário. Talvez. Acho que é capaz disso e de muito mais. No entanto, creio que, no meio do aranzel, apenas houve uma pessoa que lhe fez o diagnóstico certo: António Lobo Antunes, numa magistral entrevista dada à RTP, há dias, respondeu a Judite de Sousa, que o interrogava sobre as tiradas de Saramago, que essas vociferações contra Deus lhe tinham feito medo. E adiantou: “tenho medo de chegar à idade dele assim, sem senso crítico”. Está tudo dito. É mais um como há tantos anciãos de tino perdido em Portugal. É deixá-lo andar. A mim tanto se me dá.
(Com a devida vénia!!!)

segunda-feira, novembro 23, 2009

Momento de poesia: Musa Beiroa

Magna Assembleia
Reunidas em soleníssima sessão
As Musas antigas e modernas também,
Discutem, fervorosamente, se sim ou não,
Me fazem poeta ou só Zé-ninguém.

Vindas de Norte, Sul, Oeste e de Leste,
Gregas, troianas, bretãs, até romanas,
Nunca foi visto concílio como este
Para discutir uma causa Lusitana.

Quiseram as Tágides, mais as do Mondego,
E a pastoril Beiroa, todas simples mas belas,
Avisarem-me baixinho, quase em segredo,
Que não seria fácil a guerra com elas.

Começou Euterpe, a rainha do canto,
Falas melodiosas, muito engraçada:
- Nada lhe darei, digo, por enquanto:
Nem lira, nem harpa, nem voz bem timbrada.

Logo a bela Serrana se ergueu por mim,
Simples resposta, excelente intervenção...
- Desculpai, Senhora, não será só assim
Por ele ser apenas um pobre beirão?!

- Não vos amofineis, insensata donzela,
Mas vejo a coisa de maneira diferente...
É preciso ter muito siso e cautela
Se desconhecemos quem temos em frente.

As Ninfas e as Tágides ficaram caladas;
Mal me conhecem, não ousam falar.
Mas a pastoril Beirã não cede por nada,
E a dona da música teve que se calar.

Diz Melpómene, em tom conciliador:
- Não façamos disto uma grega tragédia...
Se o rapaz não for músico, nem cantor,
Poderá dedicar-se então à comédia!

- Quereis passá-lo para mim? - pergunta Tália
Mostrando uma grande animosidade...
- Não conheço gente que não seja de Itália;
Não tem p'rá comédia jeito nem idade.

As Ninfas e as Tágides não se contiveram
Agarrando Tália pelo longo cabelo...
- Nunca os Romanos, os Lusos venceram,
Se ainda o não sabes, vais agora sabê-lo.

Gerou-se uma balbúrdia e tal confusão!...
Umas para um lado e outras para outro...
- Senhoras meninas, que é isto?... Então?!
Tanta discussão só por causa de um louco?!

Mas não gostou minha formosa estrela,
Que a elegante Terpsícore me chamasse louco,
Levantando-se de um salto, foi-se ali a ela,
E, se a não fez dançar, faltou muito pouco.

Falou, então, Clio, mãe da eternidade,
Num tom conciliatório e até cortês:
- Façamo-lo poeta; que cante só a saudade,
O doce sentimento do Povo português.

Com blusa decotada e seio provocante,
A fascinante Erato sabe bem o que quer,
De seus olhos verdes saem raios brilhantes,
Vê-se bem que não é Musa qualquer.

Veste de maneira ousada, atrevida;
Uma mini-saia bem acima do joelho.
Não sei se meia nua, se meia vestida,
Fazendo esquecer o mais sábio conselho.

Passemos adiante, deixemo-la p'ra logo,
Falemos apenas do que aqui se passou...
Acendeu-me nos lábios desejos de fogo,
Se mais não conseguiu, foi porque não tentou.

Não porque o não quisesse, ou desejasse,
Mas sendo a brejeira, linda filha de Zeus,
Travou-me a razão, antes que me queimasse,
Evitando colar meus lábios nos seus.

Ela sabe que a sua beleza inebria,
E diz, entre gestos de luxúria lasciva:
-Vem aos meus braços, se amas a poesia,
Ou também tens medo de beijar uma diva?

Gozando com a provocante atitude:
- Tu queres ser poeta?!... Pois sê-o então.
Não te gabo a sorte, mas fiz o que pude
Ao dar-te os dons de um pateta poltrão.

Pede às Ninfas e Tágides seu auxílio,
(E fingindo beijar-me em provocação...)
- Nunca serás Homero, muito menos Virgílio,
Não passarás, meu pateta, de rude Beirão.

Ergue-se, felina, a Leoa Lusitana,
Ninfas e Tágides se lhe juntam, em protesto.
- Quem sois vós, gregas, troianas e romanas,
Senão ralé, plebe vulgar, filhas de incesto?

Querendo chamar toda a gente à razão,
Disse Calíope, com muita indulgência:
- Não, nunca será só um poeta poltrão,
Eu lhe concedo um pouco de eloquência.

Mas os ânimos não ficaram sossegados,
Porque Terpsícore de modo contrafeito
Declarou: - Vou dar-lhe pés tão pesados
Que para a dançarino nunca terá jeito.

- Desconheceis o querer e força deste Povo?
( Gritou a Beiroa, com um fulgente olhar.)
- Venceu o mundo velho, construiu um novo,
Aqui tereis que aprender e não ensinar.

Será poeta, tudo o que ele desejar:
Guerreiro, lavrador, marinheiro, pastor.
Sábio, louco e até santo do altar,
Que o Povo Lusitano não conhece senhor.

Foram-se embora as musas de outrora,
Rabo entre as pernas e o bico calado.
Certamente, já aprenderam bem agora,
Que e a estirpe Lusa não é pau-mandado.

Ninfas e Tágides, minha Musa Beiroa,
Cantai a Gente Lusa, o Povo laureado.
Calem as antigas, por muito que lhes doa,
O seu canto roufenho e tão desafinado.

Mas aquela diva de olhos fascinantes
Tirava do sério um homem qualquer...
Há lindíssimas musas em belas amantes,
E lábios de fogo em muita mulher.

A formosa Erato com sua beleza,
Deixou em mim a suave recordação...
Ao partir, deixou-me alguma tristeza,
Também algum do seu poder e condão.

É quase certo, mas não posso afirmar,
Não sei se é real, se só fantasia,
Mas muitas vezes sinto que ela a brincar,
Vem ensinar-me a escrever poesia.

Linda, linda como o um mar das espigas,
É ver (não sei se me cale, ou se vos conte)
A mais generosa, a mais leal das amigas,
A minha Musa Beiroa, ao voltar da fonte.

À pequenina Leonor.
Não é Beiroa, mas de lá lhe venha a beleza, porque lindas são as moças Serranas.
Do tio-avô Fernando

quarta-feira, novembro 18, 2009

Nasceu! Bem vinda!!!

Eram 18h 22m, quando chegaste a este Mundo, à nossa companhia. Bem vinda sejas, querida Leonor.
Os teus Pais, os teus Avós, os teus Tios, os teus Primos estão bem felizes por nos quereres alegrar, enriquecer o nosso dia a dia. Tu, linda Menina, podes ter a certeza de que tudo faremos para te tornar a vida feliz. Assim, Deus nos ajude, pois é um trabalho tão difícil que só Ele - Caminho Verdade e Vida! - nos pode dar os meios para realizarmos tão empolgante Missão. Olha, ainda não nos conheces, mas já te amamos muito. Vai ser bom convivermos e ver-te crescer. Vem! Nós ansiávamos pela tua chegada. Escolhi uma doce canção de embalar que os teus Papás vão aprender para te adormecer... quando estiveres com "insónias!!!! Ah! Ah! Ah!

A Bíblia que Saramago não leu ou "Ensaio sobre a cegueira"2

Evangelho segundo S. Lucas 19,1-10. Tendo entrado em Jericó, Jesus atravessava a cidade. Vivia ali um homem rico, chamado Zaqueu, que era chefe de cobradores de impostos. Procurava ver Jesus e não podia, por causa da multidão, pois era de pequena estatura. Correndo à frente, subiu a um sicómoro para o ver, porque Ele devia passar por ali. Quando chegou àquele local, Jesus levantou os olhos e disse-lhe: «Zaqueu, desce depressa, pois hoje tenho de ficar em tua casa.» Ele desceu imediatamente e acolheu Jesus, cheio de alegria. Ao verem aquilo, murmuravam todos entre si, dizendo que tinha ido hospedar-se em casa de um pecador. Zaqueu, de pé, disse ao Senhor: «Senhor, vou dar metade dos meus bens aos pobres e, se defraudei alguém em qualquer coisa, vou restituir-lhe quatro vezes mais.» Jesus disse-lhe: «Hoje veio a salvação a esta casa, por este ser também filho de Abraão; pois, o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido.»

sábado, novembro 14, 2009

Obrigado, Zé!

Meu Caro Zé,
Venho agradecer-te a maneira principesca com que me acolheste, mimaste, hoje. Que belas horas passei na tua companhia, aí por Santo André e Sines!!!
Como te disse, em meu desabono, mal conhecia essa linda zona do nosso Distrito. Apenas por aí passara duas ou três vezes, terão passado cerca de 25 anos.
Segui o itinerário que me indicaste. Gostei de atravessar uma boa parte do nosso Alentejo, onde os extensos sobreirais me fascinaram. Alguns deles bem tratados, com as terras lavradas, provavelmente para uma maior produtividade e defesa contra incêndios. De gente que entende que é preciso semear para colher, investir para receber. Já entre Grândola e Santiago me pareceu que o aspecto das árvores não era saudável, porventura em resultado da muita poluição atmosférica proveniente das indústrias instaladas nos arredores de Sines, anos atrás. O piso da estrada até Grândola está em defeciente estado, mas o percurso pelo IP8 merece elogios.
Encontrar-te, depois de tantos anos, quando foste Criança, lá em Penamacor foi uma vivência inesquecível. Passar aquelas horas na tua companhia, em contacto com a tua alegria de viver, foi um privilégio que muito te agradeço. Não merecia tanto, com sinceridade o digo.
As enguias - o ensopado e a caldeirada, que fartura!!! - estavam uma delícia. Não mais vou esquecer aquela encantadora localidade, Deixa o Resto, e a história bem engraçada que deu origem a tal designação. Mas nós não deixámos resto, não. Podem chamar-nos gulosos, mas seria um desperdício, quase um pecado. Em oposição tivemos de "sofrer" de gula...
Surpresa, surpresa foi a visita ao teu apartamento: quem diria que um solteirão pode ter uma casa tão bem arrumada e com tantas e tão boas recordações das tuas muitas viagens e aventuras por quase 50 países deste nosso Mundo?!
Aqui ficam os meus parabéns e a expressão da minha admiração. Que havia de repetir-se no apartamento de Sines, mais "despido", mas com aquela linda varanda e a soberba vista sobre o mar que aqui se pode apreciar.
A mota dos teus (e meus) encantos não podia ficar sem visita. Estupenda. Também na garagem há que ressaltar que tudo estava no seu lugar, revelando-se a arrumação como uma tua grande virtude. Ah! Meu maroto, a carrinha é que foi cá uma surpresa!!! És um verdadeiro artista, no sentido literal da palavra. Fico feliz, por ti. Mas há uma frase que não me vai esquecer e que me faz lembrar os olhos vivos e desafiadores da Criança que foi meu Aluno: "Entre ser rico e ser livre... escolhi a Liberdade". Só de ti, José Salgueiro Cunha de Almeida, eu poderia aprender mais esta. No fundo, é um caminho evangélico, pois também Jesus Cristo nos alerta para a prisão que o apego aos bens materiais constitui. No entanto, meu caro Amigo, posso dizer-te que há bens pelos quais vale a pena ser "anilhado". O Amor de uma Mulher, um deles, para exemplo...
O passeio que me ofereceste, por Sines e zona indústrial, com destaque para a enorme Empresa em que trabalhas, encheu-me de satisfação. Assim, com um cicerone tão cativante e bem-humorado, foi ver as horas a passarem, num instante. Ouvindo histórias e mais histórias de um Aventureiro generoso, um coração de oiro.
A hora da despedida chegou, com o escurecer. Fica-me na memória um gesto final que não sei como te agradecer: guiaste-me por aquelas ruas que eu nunca percorrera, chegando ao "cúmulo" de me conduzires até à estrada que havia de trazer-me a casa. Obrigado, caro Zé, meu Amigo.
Um dia destes será por aqui. Para minha enorme satisfação.
Abraça-te, com estima, aquele que te ensinou algumas coisas, quando eras Criança e a quem tu deste uma grande lição de vida e humanidade, no espaço de poucas horas.
O teu velho professor.

sexta-feira, novembro 13, 2009

A Bíblia que Saramago não leu ou "Ensaio sobre a cegueira"

Livro de Sabedoria 7,22-30.8,1.
Com efeito, há nela um espírito inteligente e santo, único, múltiplo e subtil, ágil, penetrante e puro, límpido, invulnerável, amigo do bem e perspicaz, livre, benéfico e amigo dos homens, estável, firme e sereno, que tudo pode e tudo vê, que penetra todos os espíritos, os inteligentes, os puros e os mais subtis. A sabedoria é mais ágil que todo o movimento e por sua pureza tudo atravessa e penetra. Ela é um sopro do poder de Deus, uma irradiação pura da glória do Omnipotente, pelo que nada de impuro entra nela. Ela é um reflexo da luz eterna, um espelho imaculado da actividade de Deus e uma imagem da sua bondade. Sendo uma só, tudo pode; permanecendo em si mesma, tudo renova; e, derramando-se nas almas santas de cada geração, ela forma amigos de Deus e profetas, pois Deus só ama quem vive com a sabedoria. Ela é mais radiante que o sol, e supera todas as constelações; comparada com a luz, sai vencedora, pois a luz dá lugar à noite, mas sobre a sabedoria não prevalece o mal. Ela estende-se com vigor de uma extremidade à outra e tudo governa com bondade.

terça-feira, novembro 10, 2009

A boleia

Penamacor. Final dos anos 60. As aulas terminavam pelas 16 horas e as tardes eram mais que longas. Estava decidido. A seguir à "escola" iria a Aldeia visitar os meus Pais. No Fiat 850. Um "luxo". O caminho era curto e até dava para me alegrar o resto do dia. Assim, fui nas calmas. A Primavera, já bastante adiantada, em pleno mês de Maio. Naquele tempo, todo o bocadinho de terra arável havia sido cultivado ou servia para que pudessem crescer as pastagens de que os muitos rebanhos então existentes se alimentavam. E viam-se ovelhas e cabras por aquelas quebradas, com o dlão-dlão, dlim-dlim dos seus chocalhos e campainhas, pastor atento, encostado ao cajado, o cão fiel a seu lado. Era ainda tempo de muito trabalho e pouco proveito. Aqui e além, as mondadeiras labutavam em volta dos milhos e os centeios preparavam-se para mudar do verde deslumbrante, que "fugira" a bom "fugir" por encostas e vales, no mês de Abril que se fora, para o tom "cor de palha" que os havia de levar às ceifas. As hortas precisavam de ser regadas, umas com água puxada dos poços, a pulso, no caldeiro pendurado no varal da velha "burra", outras com a água tirada nos alcatruzes, fazendo-se ouvir o "tlem-tlem" com que o bater do "travão" da nora embalava a mansa burra que, de olhos tapados, ia percorrendo o seu caminho tão curto, mas sem fim. Parei, por instantes, na ponte da ribeira das Taliscas. Um local bem aprazível, com o verde dos salgueiros, das faias, dos plátanos, dos freixos e dos choupos. Ouvia-se, a pouca distância, o "barulho" de um motor que de lá puxava ainda a água para matar a sede do batatal que, ali mesmo, na fértil margem, tanto prometia.
Embalado nestas vistas tão nostálgicas de um tempo em que eu era homem, depressa cheguei a Aldeia do Bispo, com a "Farmácia Milongo", do simpático e saudoso Dr. Ildefonso, ali mesmo, na Lameira, à beira da estrada.

Por um destes acasos que só acontecem uma vez na vida, vejo de lá sair o Ti António "Baratinho", um dos meus conterrâneos mais castiços e divertidos, a morar mesmo lá pertinho dos meus Pais. Era um tempo em que não se tinha medo de dar boleia nem de a apanhar. Em "a talhe de foice" devo dizer que fiz uns milhares de kms nos carros de outros e, ainda hoje, se for sozinho, não sou capaz de deixar alguém a pé, na berma da estrada. Tendo a consciência do que tal atitude representa...

Mas voltemos ao fio da história. Mal o avistei, parei e perguntei-lhe:

- Ó Ti António, então o que faz por aqui? Vou à nossa Aldeia... Quer boleia?

- Ó Professor, nem sabe quanto lhe agradeço. A minha Lurdes está doente e vim aqui buscar uns comprimidos...

- Vá, entre, que chegamos num instante!

Retomada a marcha, aí vamos nós, numa de boa disposição. Sendo uma pessoa de pouca instrução, sem saber ler nem escrever, era de uma educação e simpatia a toda a prova. Usava a L.P. com muita graça e devo confessar que ainda dei umas boas gargalhadas, pois ele sabia histórias de conterrâneos nossos, verdadeiras ou inventadas e lidava com as palavras como poucos, para as recontar as vezes que fossem precisas. Com habilidade. Talvez só igualada pela de um seu irmão, o José que, tempos depois, me fez rir um dia inteiro, quando fomos companheiros de vindima... Cá estou eu "a variar"...

Ficando na mesma rua para onde eu me dirigia, apeou-se junto da sua casa e os remédios devem ter dado o efeito para que foram comprados.

O tempo passa num instante e, dias depois, voltando a visitar os meus Pais, quem é que encontro, ali, "à mão de semear", no Largo do Rato? O Ti António "Baratinho"...

Simpatia com simpatia se paga. Parei.

- Olá, Ti António, boa tarde! Então a sua Lurdes já está boa?

Uma gargalhada, como só ele era capaz de dar, ecoou, naquele Largo. Depois, quase sem se poder conter, exclamou:
- Ó Professor.... a minha Lurdes .... já está boa. Mas a sua boleia ... é que me vontade de rir!!!
Francamente, eu não percebia onde ele queria chegar. E ria, ria... Depois, com alguma dificuldade, consegui entender o que ele ia dizendo:

- Então... não quer saber??? Com a vontade de andar de carrinho.... esqueci-me que tinha levado a burra e deixei-a lá ficar???!!!

Tive de sair. O insólito da situação obrigava a tal. E rimos os dois... até nos cansarmos. Para espanto de alguns "Cucos" que iam passando, sem perceberem o porquê daquele "desaforo"...

segunda-feira, novembro 02, 2009

No olival

A moda da azeitona

Azeitona galeguinha,
Quando vai para o lagar,
É como a moça solteira,
Quando se vai a casar.
Ólóai... larilólela! Ólóai... larilóló!!!


Azeitona cordovil,
Deita azeite mais claro,
Para ir alumiar,
À Senhora do Rosário.
Ólóai... larilólela! Ólóai... larilóloó!!!Azeitona galeguinha,
O rouxinol a devora,
Pega nela com o bico,
Bate a asa vai-se embora.
Ólóai... larilólela! Ólóai... larilóló!!!

Azeitona galeguinha,
Apanhada uma a uma,
Estes rapazes de agora,
Não têm "planta" nenhuma.
Ólóai... larilólela! Ólóai... larilóló!!!

A oliveira é paz,
A macieira ciência,
O amor fora da terra,
Faz perder a paciência.
Ólóai... larilólela! Ólóai... larilóló!!!!!
A moda da azeitona era cantada pelos ranchos que, ao "quinto", com frio, chuva e muito trabalho, iam recolhendo os frutos da oliveira para encherem os enormes potes de azeite dos grandes proprietários e de que receberiam uns litros para, bem "governado", ir dando para temperar as comidas e acender as candeias.
Esta moda tomava uma especial alegria ao anoitecer do dia do encerramento dos trabalhos, nomeadamente da Casa Maior, quando, o som da concertina acompanhava as muitas e afinadas gargantas que, em coro, cantavam as quadras que acima se transcrevem, para fazerem a entrega do ramo de oliveira, enfeitado com flores e laranjas, aos donos dos olivais, recebendo, em troca, os produtos necessários à confecção de uma ceia melhorada e a que se seguia o baile.
Confesso que era um dos nossos cantares das fainas agrícolas que mais me agradava e ainda hoje me emociona. Muito, muito lindo! Ouvi-o, há dois dias, no Rádio Clube de Monsanto, instituição que muito defende e dá a conhecer a nossa Beira nas suas tradições, na sua riqueza cultural, etnográfica e folclórica. Por todo o Mundo!
Pena que, às quadras, não possa juntar a linda melodia, que fazem parte da minha vida, especialmente da minha meninice e da minha juventude.

No Jardim da República

Já lera e ouvira falar - bem e mal - do arranjo deste Jardim da nossa Vila que, em tempos, conheci quase em pormenor. Por três anos consecutivos, atravessei-o, diariamente, a caminho da velha escola. Bons tempos! Também por ali me sentei, enquanto os meus 2 filhos mais velhos brincavam. Um deles ali deu alguns dos primeiros passos. Faz-me lembrar ainda um quente dia de Julho, na minha pré-juventude, em que lá apanhei uma "grande decepção"... Nada que o tempo não curasse!
Mas vamos a factos. Visitei agora o nosso Jardim, na sua modernizada versão. De maneira geral, posso dizer que gostei do que vi. O piso está muito agradável - será que vai durar? - as árvores foram preservadas e estão cuidadas, os bancos são confortáveis, as vistas belas como dantes. Nestas não tocaram.
O aspecto que pode levantar-me mais reservas refere-se ao uso do "inox" na remodelação do que foi o "lago" central. Penso que pode ter sido equacionada a possibilidade de uso de materiais da nossa região. Sobretudo na cascata central, para mim, de belo efeito. De tal maneira que me sentei, virado para o centro, sem que a água me molhasse os sapatos. Já no que respeita aos bancos circundantes, penso que não seria fácil encontrar outro material em que se pudessem "retalhar" as belas figuras e cenas alusivas às gentes que, há muitos séculos, vêm ocupando e habitando as terras de Penamacor.
Almocei no restaurante que dá para o recinto. Em tão bonito ambiente, merecia melhor serviço. Sem profissionalismo bastante, nos dias que correm, há o risco de ver a cliente a voar. Mais para cima!!!
Voltando ao Jardim. Tendo em conta que eu não seria capaz de fazer melhor... direi que está bastante agradável e que as obras efectuadas melhoraram um equipamento nosso que se estava a degradar. Foi bom!

Em memória dos nossos Mortos

Fez, ontem, 4 anos que iniciei este blog. Com maior ou menor felicidade, tem-me servido nos objectivos para que foi criado: exprimir, por escrito, estados de alma, de forma tão verdadeira e sentida quanto a minha condição humana o permite.
É meu hábito, nesta data, ir de romagem à campa dos meus Pais. Aproveito para recordar tantas e tantas pessoas que, de um modo ou de outro, também me ajudaram a crescer. Embora devesse entrar, no cemitério, de olhos baixos e coração contrito, deparo lá com uma situação que penso "piorar" em cada ano que passa: as pessoas estão a usar as campas dos mortos para as exibirem numa feira de vaidades que me parece desproporcionada e fora do local apropriado. Flores de todas as espécies, cores e feitios - com destaque para as que são fornecidas nas "lojas chinesas" - tornam aquele local que deveria ser discreto, pacífico e silencioso, próprio para a meditação do "Lembra-te, ó homem, que és pó e ao pó hás-de voltar!" numa certa "bagunçada" que muito pode contribuir para divertir os que ali vamos recordar, se lá do Céu estiverem ainda preocupados com as patetices desta vida e, pior, desviar-nos do fim para que a Igreja instituiu a festa da celebração de Todos os Santos e a dos Fiéis Defuntos. Discrição pede-se com urgência. E bom senso!
Aproveito para reler as palavras de Jesus Cristo que, neste dia, poderão dar sentido à nossa vida:
Evangelho segundo S. Mateus 25,31-46.
«Quando o Filho do Homem vier, na Sua glória, acompanhado por todos os Seus anjos, há-de sentar-Se no seu trono de glória. Perante Ele, vão reunir-se todos os povos e Ele separará as pessoas umas das outras, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos. À sua direita, porá as ovelhas e, à sua esquerda, os cabritos. O Rei dirá, então, aos da sua direita: 'Vinde, benditos de meu Pai! Recebei em herança o Reino que vos está preparado desde a criação do mundo. Porque tive fome e destes-Me de comer, tive sede e destes-Me de beber, era peregrino e recolhestes-Me, estava nu e destes-Me que vestir, adoeci e visitastes-Me, estive na prisão e fostes ter Comigo.’ Então, os justos vão responder-lhe: 'Senhor, quando foi que Te vimos com fome e Te demos de comer, ou com sede e Te demos de beber? Quando Te vimos peregrino e Te recolhemos, ou nu e Te vestimos? E quando Te vimos doente ou na prisão, e fomos visitar-Te?’ E o Rei vai dizer-lhes, em resposta: 'Em verdade vos digo: Sempre que fizestes isto a um destes Meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes.’ Em seguida dirá aos da esquerda: 'Afastai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, que está preparado para o diabo e para os seus anjos! Porque tive fome e não Me destes de comer, tive sede e não Me destes de beber, era peregrino e não Me recolhestes, estava nu e não Me vestistes, doente e na prisão e não fostes visitar-Me.’ Por sua vez, eles perguntarão: 'Quando foi que Te vimos com fome, ou com sede, ou peregrino, ou nu, ou doente, ou na prisão, e não Te socorremos? Ele responderá, então: 'Em verdade vos digo: Sempre que deixastes de fazer isto a um destes pequeninos, foi a Mim que o deixastes de fazer.’ Estes irão para o suplício eterno, e os justos, para a vida eterna.»
Da Bíblia Sagrada

No Outono

Nas deslocações para a nossa Beira, sempre que a disponibilidade do tempo o permite, faço uma das viagens, pelo menos, usando a antiga estrada, a passar na Azervadinha e no Couço e daqui, com o "desvio" arranjado, ir logo à barragem de Montargil "fugindo" da antiga "obrigação" de passar por Mora. Aprecio muito este percurso e digo, na brincadeira, que a auto-estrada se compara a "frango de aviário", rápida, mas sem sabor, enquanto que esta viagem me "sabe" a "galinha do campo". Mais "dura", sem dúvida, mas com um "sabor" que me delicia,
Saio de Palmela, em direcção ao cruzamento do Infantado, passo no de Coruche, agora ambos com enormes e seguras rotundas. A seguir vêm a Azervadinha e o Couço. A estrada, ao longo da barragem, até Ponte de Sor, nesta altura do ano torna-se-me fascinante. A água ali tão perto. Bem pouca. O piso está uma "folha de papel" e os plátanos que vão escapando à fúria destruidora do homem estão lindos, com muitas folhas ainda bem verdes, passando pelo amarelo, o encarnado e o castanho de muitas outras. O plátano não é uma árvore bem querida. Emigrante, madeira de pouca utilidade, lenha manhosa, não dá flores nem frutos de que se conheça a utilidade. As suas raízes vão demasiado longe e "desertificam" os terrenos, em volta. No entanto, junto da estrada, a sombra suaviza as viagens durante os calores de Agosto, o verde vivo encanta-nos na Primavera e o multicolorido outonal enche-nos a alma de doces , digo melhor, indescritíveis sensações.
Mas há o reverso da medalha: esta viagem faz-me tomar contacto com uma nefasta realidade: os nossos melhores campos do fértil Ribatejo estão quase ao abandono. Não vi lavras, nem culturas, nem animais, nem pessoas, nem máquinas. Campos daquela natureza rica ... desprezados. A meio do caminho e já no Alentejo, decidi avançar pelas pequenas aldeias, a seguir a Ponte de Sor. Normalmente, faço o desvio pela Bemposta para apanhar a A23, em Abrantes. Pois as muitas hortas que havia no Vale de Arco, no Rosmaninhal. em S. Bartolomeu... estão a desaparecer. Os vendedores que, na beira da estrada, nos "ofereciam" os produtos lá produzidos, já escasseiam.
Depois, na nossa Beira, já todos sabemos o que está a acontecer, a desertificação, com abandono da maioria dos nossos campos. Os olivais apresentam-se carregados, com bom aspecto, mas sem que haja gente que queira recolher a azeitona. Apanhei uns baldes de "vermelhais" para as retalhar e "adoçar", o resto vai ficar ao abandono. Devia ser eu a colhê-las? Talvez, mas já não sinto forças nem motivação para tal. Os velhos não conseguem e os novos não querem.
Para onde caminhas, meu Portugal?