quinta-feira, novembro 26, 2009

A corja

Na fragilidade de um poema
Feito com versos de vento e água,
Desfaço em pedaços mil dilemas,
Liberto minha revolta e mágoa.
Como quem descrê no que acredita,
Por já não crer em nada e ninguém,
Dou meus frutos, sou árvore maldita,
À corja, oxalá a envenenem bem.
Perguntei ao vento: - Aonde me levas?
Olhou-me com dor e disse a sorrir:
- Levo-te de volta à noite das trevas,
Onde não há presente nem porvir.
- Que lugar é esse, que noite é essa
Onde tu, ó vento, me queres levar?!
- É o reino das falsas promessas
E mentiras, de quem quer governar.

Não vi rosmaninho nem alfazema,
Das rosas só restavam os espinhos.
Não vi a poesia, menos poemas,
tojos, urzes e outros maninhos.
Não vi sorrir o rosto das crianças,
Só velhos com tristeza no olhar,
E loucos e doutos sem esperança,
Nem sol d’ Abril nem Lua ou luar.
Não vi rios nem as verdes campinas,
Nem ouvi os rouxinóis no arvoredo…
Por entre uma fria e densa neblina,
Só se ouviam pragas e gritos de medo.

Perguntei ao vento que me guiava:
- Diz-me, meu amigo, quem grita assim?!
Porém ele não falava, calava
A verdade por ter pena de mim.
Mas perante a minha insistência
O vento acabou por me dizer:
- Amigo, os lobos não têm clemência
Quando está em causa o poder.
E de súbito, da neblina cerrada
Saiu a mais faminta alcateia…
Mil lobos, de fauces escancaradas,
Que devoraram mil anhos à ceia.
Eram lobos anafados, lustrosos.
Era uma insaciável alcateia…
Arrotando forte os mais poderosos,
E uivando os mais fracos por ceia.

Eis um poema só de raiva feito
Onde vos dou versos como poção…
Antídoto algum lhe tire o efeito,
Morram os lobos que nem lobos são.
São só versos de amarga revolta…
Malditos sejam se os lerdes em vão.
Deixo a minha raiva correr à solta,
Ergo a voz e à corja digo: - Não.


Homem da Serra
Zeca, volta, volta... "Eles comem tudo!"

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