sexta-feira, junho 24, 2016

Cenas da vida militar 4

Vi-o, pessoalmente e pela última vez, faz agora 48 anos. Era manhã de São João daquele ano distante de 1968 e o N/M "Império", um dos orgulhos da nossa Marinha Mercante de então - hoje nem se imagina o que isso foi... - atracara, na doca de Alcântara, depois da maravilhosa sensação de regressar a casa, Tejo acima, a ver de Cascais até Lisboa, sob o lindo sol daquele dia do Verão a começar.
Os abraços habituais com palmadas nas costas, "apareça que vou gostar de o ver, um beijo à sua mulher", "está lá em baixo, no cais, já a vi com a Menina ao colo", "então, adeus!
E foi. Para sempre. Aqui tão perto...
Haviam sido dois anos de trabalhos na segurança e na informação das transmissões das nossas forças armadas que, na prática, terminaram ali. Ouviria falar muito dele nas televisões e nas rádios, ver a sua imagens nas capas de jornais e revistas - não tão famoso como o foi a sua filha Catarina.
Depois, um dia, há sempre esse dia, a noticia da sua partida. Para sempre.
Descanse, em paz.
Hoje deu-me para ter saudades suas a daquela sua maneira de ser Oficial que, entre a outras coisas, me "ganharam" 5 dias de "licença para noivar" (???) que, sem a sua coragem um tanto irresponsável, me levou a "desertar" do Quartel do Morro para cinco dias únicos da minha vida, na nossa vida.
-Vá, que eu entendo-me com o Capitão. E com o Comandante, mas não vai ser preciso.
E não foi!
Obrigado, Eduardo!

domingo, junho 19, 2016

No tempo dos lagares com varas

Toda a Aldeia era mobilizada para a apanha da azeitona e os mais sortudos ficavam nos lagares, debaixo de telha e no calor da fogueira sempre acesa. Aquela geringonça com pesadas rodas de pedra era puxada por uma junta de VACAS, junta que podia ir também, pela tardinha - os dias eram muito curtos e frios - buscar os sacos de azeitona, ao olival. Não se vê a trave toda mas, na ponta, estava um gancho de ferro, onde "engatava" o "cambão" que passava entre as duas vacas e se atrelava à "canga" pelo "tamoeiro" de couro, canga já assente no cachaço dos mansos animais que haviam de "gramar a pastilha", duas horas a andar, sem saírem do mesmo sítio. A dita canga assentava no cachaço e fixava-se aos cornos pelas "piassas" e ainda mais uma volta por baixo no pescoço com... já não me lembro do nome. Assim se dava coesão aos "cangalhos" e as vacas não tinham hipótese de fuga ao trabalho. Nem direito a horas extra pagas... Depois de entornados alguns cestos de azeitonas retiradas das tulhas, a geringonça entrava em movimento e não podia parar. E mais cestos de azeitonas era despejados, os animais sempre a mexer. Mais de duas horas, já escrevi, até que a massa das azeitonas assim esmagadas ficasse em condições de ser espremida nas seiras, sob um enorme tronco de castanheiro ou de sobreira, em cuja extremidade, ainda com restos das grossas raízes, fora pendurada uma bem pedra pedra em feitio de tronco de cone. Só geringonças. Que funcionavam. No lagar de varas.... Voltemos às três rodas dentro do pio. Tudo em granito... Quase sempre as vacas estavam em desacordo para fazer aquela caminhada, andando, andando, sem saírem do mesmo sítio, a paisagem sem mudar. Um homem tinha de caminhar, atrás delas, a "motivá-las", para que não parassem.
Mas que haviam de acrescentar à geringonça? Um banco. Não desses falidos, mas de madeira, encaixado na trave, para atrair os garotos. Criança que aparecesse no lagar para lhe molharem o pão no azeitinho acabadinho de fazer era convidada a dar umas voltas atrás das vacas. Com o engodo de uma "viagem" sem pagar bilhete, sentadinho no banquinho, a cheirar o rabo das vacas e a saber como é que as vacas funcionavam.
- Vá lá! Não custa nada... Vais sentado neste banquinho e não te cansas. É só enquanto torramos o teu pão e o metemos no azeite...
E lá ia o garoto, vara na mão, tocando, tocando as vacas. E vendo aquelas azeitonas, aquelas rodas, aquela massa que havia de dar azeite, para molhar aquele pão que tanto custava a torrar.
E a brincadeira lá fora. E o maroto do sol a esconder-se. E os amigos aos saltos, nas corridas e nos jogos. No Pereiro, no largo do Rato, no Adro, na Estrada, no bairro da Mocidade, no pátio da Escola... E ele ali sentadinho, às voltas e a sonhar...
- Podes sair. O pão está torrado e molhado. Queres comer?!
O acordar com que se sonhara todo o dia, pão molhado em azeite fresquinho. Só que a brincadeira dessa tarde também se fora...
As viagens que eu fiz naquele banquinho!... E outros Meninos da nossa Aldeia.
- Avô, queres que te conte uma história de Aldeia que vem aqui na Internet?!
 

terça-feira, junho 14, 2016

Cenas da Vida Militar 3

Maçaricos
Depois das emoções do desembarque, ao largo, e transportados em lanchas, a noite fora curta e mal dormida, nas excelentes instalações para os Sargentos solteiros do CTI de S. Tomé e Príncipe.
O Sol nasceu pelas 5 horas e a faina diária começava, às 7 horas, no quartel ali mesmo ao lado. Apresentar-se com as guias de marcha era um pró-forma a que nenhum militar podia furtar-se. Bem barbeado e penteado, vestidinho de novo – as fardas verdes ainda eram novidade nas Colónias…- servido o pequeno almoço com meia dúzia de bananas – foi assim durante semanas – eu e o Joaquim Caria, ambos no Serviço de Segurança e Informação do Exército, alegres e curiosos , entrámos na vasta parada do Quartel do Morro. Íamos tão satisfeitos ou distraídos com tudo o que nos saltava à vista, mesmo ainda indisciplinados com os 10 dias a bordo do N/M Niassa,  que só “aterrámos” quando, a dado momento, alguém nos gritou :
- Ó nossos Furriéis, venham cá”!
Voltámo-nos e demos de caras com o olhar zangado de um Capitão, a quem nos dirigimos, de pronto.
Com a continência o mais aprumada possível de quem cumprira a recruta uns meses atrás, saudámos o oficial
- Bom dia, meu Capitão!
Retribuindo a saudação, continuou:
- Bom dia. Maçaricos, hein?!  A pensar que isto é tudo vosso… Podem seguir… E que não torne a acontecer.
Já menos entusiasmados, seguimos para o que havia de ser o nosso local de trabalho, até quinze de Junho de 1968.
- Quem era o Capitão, assim, assim…?
- Ui!!! O Capitão Luz de Almeida… Não deixa passar uma. E logo em frente à “casa” dele, a CAÇ7 de que é o comandante?!
O Destino fora-nos grato. Noutras partes de África, companheiros e amigos nossos lutavam para sobreviverem e os Capitães não estariam, assim, tão interessados no ”bater da pala”…